São diversos os motivos que levam uma mulher a entregar seu filho para adoção. Independentemente da causa, esse é um direito previsto em lei que precisa ser respeitado e garantido.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que, em 2020, foram entregues voluntariamente 1.051 crianças; no ano seguinte, o número subiu para 1.344; em 2022, foram somadas 1.895 entregas. No ano passado, as entregas de recém-nascidos ficaram em 831.
Para orientar todos os envolvidos nesse processo, o CNJ elaborou o Manual sobre Entrega Voluntária, que detalha as regras para o atendimento da mãe que deseja entregar o bebê para a adoção a partir da perspectiva da proteção integral da criança. Em 53 páginas, o documento traz o passo a passo para o acolhimento da gestante a partir do momento em que ela decide pela entrega voluntária.
Isso pode ocorrer durante a gravidez, ela se dirigindo a uma unidade do Poder Judiciário, ou até mesmo no momento de dar à luz ao bebê e expressar o seu desejo ao profissional de saúde.
O Manual é dirigido tanto aos profissionais do Sistema de Justiça quanto aos profissionais da área da saúde. De forma didática, a publicação aborda a necessidade de todos os envolvidos livrarem-se de preconceitos sobre a decisão da gestante de entregar a criança. Esclarece ainda sobre os procedimentos e destaca como deve ser a abordagem a essa mulher, sempre pautada pelo respeito e pelo direito à privacidade.
O texto relembra que a Constituição Federal reconhece que crianças e adolescentes são sujeitos titulares de direitos, o que inclui a convivência familiar. Para que esse ato não carregue o peso do preconceito, o documento lembra que “a entrega consciente para adoção é um ato de amor”.
Ao manifestar o interesse em entregar a criança, tanto quando ainda estiver gestante ou após o parto, a mulher precisa ser obrigatoriamente encaminhada sem constrangimento à Justiça da Infância e da Juventude. A garantia foi assegurada pela Lei n. 13.257/2016, o Marco Legal da Primeira Infância.
O procedimento de entrega voluntária começa quando a gestante ou a mãe comparece em uma unidade da Justiça ou quando há comunicação por escrito de qualquer unidade de saúde que tenha atendido a mulher. Esse papel também pode ser desempenhado por assistente social, conselheiro tutelar, advogado ou defensor público.
O ideal é que, ao receber a comunicação, o magistrado encaminhe a mulher para acolhimento imediato pela equipe interprofissional da Justiça. Se não houver profissional especializado, o juiz designa quem irá recepcionar essa gestante da forma mais acolhedora possível, com total privacidade, para garantia da confidencialidade da entrevista e sem qualquer pré-julgamento. O desejo dela é autuado e registrado.
Esse processo ganha prioridade e tramita em segredo de justiça para assegurar o anonimato da mãe e do bebê. Nesse primeiro atendimento, ela é orientada sobre o direito ao sigilo da sua decisão. Porém, recebe a informação de que a criança tem o direito de conhecer sua origem biológica, o que é feito por meio da certidão de nascimento, que fica sob guarda da Justiça. Se ela desejar, pode dar nome à criança.
Cabe aos profissionais assegurarem que a decisão da gestante não se deu pela falta de recursos materiais para criar a criança. Nesse caso, a mulher deve ser informada sobre os seus direitos, como benefícios oferecidos por serviços sociais existentes na localidade, inclusive programas de apoio à família. No caso de falta de moradia, ela deve ser encaminhada para acolhimento em abrigo público e incluída em programas habitacionais.
A equipe da Vara de Infância e da Juventude que acolheu a mulher fica responsável por assegurar que seu desejo seja respeitado pelos profissionais de saúde. É preciso deixar registrado se ela quer ter algum contato com o bebê e se deseja amamentar enquanto estiver no hospital. Essa equipe acompanha a mulher até 180 dias após o nascimento da criança.
Desde o primeiro contato na unidade de Justiça, a gestante recebe do juiz a Carta de Apresentação, documento que informa o acompanhamento do caso pelo Poder Judiciário. Se a gestante for criança ou adolescente, o direito ao sigilo é igualmente garantido, inclusive em relação aos seus próprios pais. Porém, ela precisará ser representada por advogado ou defensor público nomeado como curador especial.
Se for desejo da mãe, ela pode indicar integrantes da sua família com que mantenha afinidade e afeto para exercer a guarda ou adotar a criança. Porém, não é permitida a indicação de terceiros para evitar a prática de tráfico e comercialização de bebês. No caso de não haver indicação, a criança é encaminhada para família acolhedora ou instituição de acolhimento por até 180 dias, prazo para possível retratação sem questionamentos.
O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) recebe os dados da criança somente após os 180 dias do parto, se não houver desistência. Paralelamente, a mulher que decidiu pela entrega voluntária deve ter todos os seus direitos garantidos, com apoio da rede socioassistencial, de saúde e do próprio Sistema de Justiça.
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Thaís Cieglinsky
Agência CNJ de Notícias